Há três anos, depois de intensa mobilização popular e do parlamento, o Brasil deu um grande passo em sua história eleitoral, mostrando que é possível aperfeiçoar o jeito de fazer política e mudar paradigmas, por meio da participação ativa e democrática da sociedade. No dia 4 de junho de 2010, após a obtenção do apoio de mais de 1,3 milhão de signatários e a aprovação nas duas casas do Congresso Nacional, foi sancionada a Lei Complementar (LC) nº 135/2010, a chamada Lei da Ficha Limpa.
A norma é fruto de campanha homônima, lançada em abril de 2008, que tinha como objetivo primordial melhorar o perfil dos candidatos e candidatas a cargos eletivos do país, incentivando os eleitores a conhecer a vida pregressa dos concorrentes para escolher, nas eleições, cidadãos que realmente o representassem, tanto no âmbito do Executivo quanto do Legislativo. Em conformidade com essas premissas, ao ser sancionada, a lei alterou a LC nº 64/1990, tornando mais rígidos os critérios de inelegibilidade para candidatos com alguma nódoa no passado político.
Para o assessor da Presidência do TSE Marcello Fernandino, “a Lei da Ficha Limpa é um fenômeno democrático, porque a produção da lei envolveu diversos setores da sociedade e aquilo que a política tem de mais bonito: a organização do cidadão”. Ele explica que, para a aprovação da norma, genuinamente popular, foi preciso que os cidadãos brasileiros diretamente envolvidos passassem por um processo de amadurecimento cívico. “Isso dá à lei um poder único, um poder por excelência, que é uma expressão da soberania popular”, destaca.
Validade
Publicada no Diário Oficial da União no dia 7 de junho daquele ano, a lei somente passou a valer nas eleições de 2012. Isso porque, na época de sua aprovação, houve grande controvérsia quanto à sua aplicabilidade em razão do artigo 16 da Constituição da República, que trata do princípio da anterioridade eleitoral. Segundo Fernandino, o dispositivo prevê que normas que alteram o processo eleitoral só podem ser aplicadas um ano depois de sua entrada em vigor.
Em agosto de 2010, ao julgar o primeiro caso concreto que discutiu o indeferimento de um registro de candidatura por inelegibilidade prevista na Lei da Ficha Limpa, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entendeu que a Lei seria aplicável às eleições gerais daquele ano, mesmo tendo sido publicada há menos de um ano da data das eleições. No entanto, prevaleceu entendimento do Supremo Tribunal Federal de que a norma não deveria ser aplicada ao pleito de 2010, em respeito ao artigo 16 da Carta Magna.
Em fevereiro de 2012, ao analisar duas ações, o Supremo decidiu pela constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa e firmou o entendimento de que os efeitos da norma já poderiam valer para as eleições daquele ano. Diante dessa compreensão, a Justiça Eleitoral começou a julgar milhares de processos envolvendo casos de candidatos considerados inelegíveis com base na lei. Dos 7.781 processos de registro de candidatura referentes às eleições de 2012 que chegaram ao TSE, 3.366 recursos versavam sobre a LC nº 135, o equivalente a 43% do total de processos.
“Em 2012, nas eleições municipais, a Lei da Ficha Limpa foi efetivamente aplicada, já coroada pelo STF como absolutamente constitucional e encampada magistralmente pelo Tribunal Superior Eleitoral, que tem diuturnamente aplicado seus dispositivos com veemência pra fazer valer a voz da população”, afirma o assessor da Presidência do TSE. Segundo ele, os cidadãos brasileiros agora estão presenciando os resultados da aplicação da norma, já que “candidatos estão sendo afastados do processo político porque não honraram o exercício dos cargos que tiveram ou porque suas vidas pregressas não garantem uma reputação suficientemente cívica para ocupar um cargo público”.
Marcello Fernandino explica que, com a norma, o candidato passa a ser avaliado com mais rigor pela sociedade e, caso seja detectada uma mácula em sua vida pregressa, em seu histórico cívico, ele pode ser considerado inelegível, podendo ficar afastado dos mandatos eletivos e da vida política por até oito anos. Isso porque, ao alterar a LC nº 64, a Lei da Ficha Limpa estendeu os prazos de inelegibilidade de três e cinco anos para oito anos.
Alerta
Mesmo com a legislação em pleno vigor, o assessor da Presidência do TSE faz um alerta: “Lei nenhuma faz milagre”. “É preciso que os cidadãos comecem a enxergar o poder que têm nas mãos, tanto para se organizar e criar uma lei, quanto para votar naquele que acreditam que tenha uma boa proposta para a cidade, para o Estado, para o país. A Lei da Ficha Limpa reinaugurou uma maneira de fazer política no Brasil e deu moral para o cidadão ser mais cidadão”, conclui.
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