Milhares de pessoas foram às
ruas na noite desta quinta-feira contra o aumento das tarifas do
transporte público em São Paulo. Mas a passeata, que começou pacífica -
com jovens cantando, carregando cartazes e distribuindo flores para a
população -, terminou com cenas de guerra em diversas ruas do centro.
As primeiras bombas de gás
lacrimogênio lançadas pela Polícia Militar, às 19h15, na rua da
Consolação, deram início a uma sequência de atos violentos por parte dos
militares, que se espalharam até por volta da meia-noite. Antes do
início da ação policial, o major Lidio Costa Junior, do Policiamento de
Trânsito da PM, afirmou ter sido rompido um "acordo" que havia sido
feito com os manifestantes.
Segundo o encarregado de
impedir que os manifestantes subissem a rua da Consolação, em direção à
avenida Paulista, o combinado era que a manifestação, que começou na
praça Ramos de Azevedo, em frente ao Theatro Municipal, se encerrasse na
praça Roosevelt, ao lado da igreja da Consolação. "Se não é para
cumprir acordo, não adianta reclamar das consequências", disse o major.
Menos de cinco minutos depois, as primeiras bombas foram lançadas quando
um grupo de manifestantes avançou o quarteirão até a rua Maria Antônia.
As bombas foram respondidas
com pedras. Vazia, a subida da Consolação serviu como território para
medir forças. Bombas e tiros de bala de borracha eram endereçados aos
manifestantes, que responderam com pedras e rojões. Em minoria, em um
primeiro momento, os policiais recuaram várias vezes. Com o reforço
vindo do sentido contrário, acabou o confronto. Os manifestantes se
espalharam pelas ruas da região e se deu início a uma perseguição que se
estendeu pelo menos até a meia noite.
Se a subida da Consolação
estava vazia, a descida, em direção ao centro, estava lotada de ônibus
estacionados no corredor e veículos de paulistanos que viraram reféns da
situação. Durante a troca de pedradas e bombas, muitos motoristas
fecharam os veículos e se abrigaram no comércio da região. Nos ônibus,
mulheres e crianças, além de adultos, sofreram com os efeitos do gás
lacrimogênio. Dos manifestantes, algumas mulheres receberam um pouco de
vinagre, que, inalado, ajuda a desobstruir as vias respiratórias.
Alguns ônibus tiveram os
vidros laterais quebrados pelos manifestantes, que também picharam neles
sua frase predileta: "R$ 3,20 não dá". Durante a perseguição, os ônibus
serviram de barreira para os que protestavam. Por cima deles, foram
atiradas algumas pedras. Policiais chegaram a ziguezaguear entre os
veículos parados. Quem ficou dentro dos carros, mudou de ideia, e vários
foram vistos saindo às pressas, abandonando os automóveis.
A partir daí, o cenário foi
de caos: manifestantes e pessoas pegas de surpresa pelo protesto
correndo para todos os lados tentando se proteger; motoristas e
passageiros de ônibus inalando gás de pimenta sem ter como fugir em meio
ao trânsito; e vários jornalistas, que cobriam o protesto, detidos,
ameaçados ou agredidos. Mais de 230 pessoas encaminhadas à delegacia,
segundo contabilizava a PM na manhã desta sexta-feira, e mais de 100
ficaram feridos, segundo estimativas dos organizadores da passeata.
A violência contra os
manifestantes foi estendida aos profissionais da imprensa que cobriam a
manifestação. O fotógrafo Filipe Araújo do jornal O Estado de S.Paulo,
foi atropelado por uma viatura da Polícia Militar quando fotografava um
confronto na região da rua Bela Cintra, no centro.
"Eu estava fotografando uma
barricada quando a Tropa de Choque avançou pela rua. De repente, vi umas
8 viaturas passando por cima do lixo queimado. Quando viram que eu
estava fotografando, atiraram o carro sobre mim, de propósito", relatou o
profissional, que chegou a ser levado ao hospital, mas não se feriu com
gravidade. Ele possuía crachá de identificação profissional e carregava
todo seu equipamento fotográfico quando foi atacado.
Sete jornalistas do Grupo
Folha ficaram feridos, entre eles a jornalista Giuliana Vallone, da
Folha de S.Paulo, que foi atingida no olho por uma bala de borracha
disparada pela polícia contra ela, que portava crachá do veículo e subia
a rua Augusta quando foi atingida.
O repórter do Terra Vagner
Magalhães foi agredido com um golpe de cassetete quando escrevia uma
matéria sentado em uma mureta do vão do MASP. Àquela altura, o clima de
tensão parecia ter diminuído. Portando crachá, máquina fotográfica e
notebook, foi atacado pela Polícia Militar. O fotógrafo, também do do
Terra, Fernando Borges foi detido para averiguação e teve de passar 40
minutos virado para uma parede, com as mãos nas costas, mesmo estando a
serviço do portal.
Já o repórter da revista
Carta Capital, Piero Locatelli, foi preso antes mesmo do início da
manifestação por carregar um frasco de vinagre na mochila. Ele, que
cobriu as três manifestações anteriores, trabalhava no local e levou a
substância que serve como uma espécie de antídoto caseiro contra a
fumaça das bombas de gás disparadas pela polícia. Locatelli foi liberado
horas depois.
No momento em que a polícia
começou a atacar os manifestantes, cerca de 30 pessoas que buscavam
proteção contra as bombas na entrada de uma garagem em frente à Praça
Roosevelt - incluindo pedestres que não participavam do protesto - foram
encurralados por policiais da Tropa de Choque. Mesmo estando rendidas,
não oferecerem ameaça aparente e terem tentando, em vão, explicar que
queriam apenas se proteger.
Uma mulher, que saía do
trabalho, pedia aos prantos para não ser detida, mas ouviu de uma
policial a "sentença": "vai para a viatura que depois a gente vê".
Outros dois jovens - um homem e uma mulher - que socorreram a repórter
Marina Novaes, também do Terra, e que também tentou se proteger no local
após inalar gás das bombas de pimenta, foram presos. A repórter chegou a
ser ameaçada de prisão e levada até a entrada do veículo do Choque, mas
foi liberada. Segundo a PM, a maioria dos detidos foi liberada em
seguida.
"Violência desproporcional"
"Quando a gente achou que ia
acabar, começava de novo. Uma hora jogaram uma bomba aqui (de gás) e eu
me protegi dento do baú (caminhão-baú de mudança). Uma estudante viu que
eu estava sem ar, passando mal, e veio na porta jogar vinagre na minha
camiseta", contou proprietário de uma empresa de transporte Antonio
Augusto Pereira Coimbra, 51 anos, que se preparava para transportar a
mudança de um escritório na avenida Paulista, quando foi surpreendido
pelo confronto. "Acho que houve abuso dos manifestantes sim. Mas a
polícia agiu com uma violência desproporcional", completou.
"Estou revoltado com o que
vi. Eu estava voltando do trabalho quando vi a confusão. Nós estávamos
na porta da estação de metrô (Consolação, na avenida Paulista), quando
um grupo começou a bater palma ironicamente pra PM. Não precisou mais
que isso para atirarem bomba contra todo mundo que estava lá, povo e
manifestante. Primeiro batem, depois olham", disse Felipe Rodrigues, 24
anos, estudante de administração de empresas, que trabalha em uma
companhia na avenida Faria Lima.
Passado pouco mais de uma
hora desde o início, as ações se espalharam pelas ruas da região e
chegaram até a avenida Paulista, que deveria ser evitada. No local, não
houve qualquer cerimônia. Dezenas de bombas foram lançadas contra grupos
de manifestantes que, menores, se multiplicaram.
Provocações verbais foram
respondidas com bombas de efeito moral, lançadas sem qualquer critério.
Pessoas se abrigaram em um primeiro momento em estações de metrô, porém
todas, no perímetro da avenida, tiveram as suas entradas fechadas.
Aqueles que estavam nos prédios permaneceram na portaria, até que a
situação se acalmasse. Se o combate aos atos de vandalismo era a missão
principal da polícia, ali foi esquecida.
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